Por Renan Pereira e Lígia Menezes
Aos 59 anos, Nany People reafirma: “Estou plena e cheia de energia.” Prova disso está em Ser Mulher Não É Para Qualquer Um – A Saga Continua, sua nova biografia, escrita por Flavio Queiroz, da Umanos Editora. O livro, lançado neste mês, narra os acontecimentos marcantes da última década – de conquistas profissionais à vivência da maturidade com coragem, humor e sem filtros.
Mas Nany não para por aí. Atualmente, viaja o Brasil com quase seis espetáculos solos, participa de programas como The Masked Singer, Vai Que Cola e Caldeirola, e mantém sua rotina de 20 apresentações mensais com a mesma energia de quem está apenas começando. Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre o impacto do etarismo, o reencontro com sua essência, suas referências femininas e o poder de ser “demais”. Com a língua afiada e o coração aberto, Nany mostra que a verdadeira liberdade vem de dentro – e não tem prazo de validade.
Nany, você lançou uma biografia aos 50 e, agora, outra com quase 60 anos. O que mudou de lá para cá? Você imagina que teria tantas transformações em apenas 10 anos?
Lançar minha biografia aos quase 60 anos foi uma escolha simbólica. Normalmente, por volta dos 50, muitas pessoas começam a encerrar ciclos: aposentam-se, encerram relacionamentos, mudam de cidade ou de estilo de vida. É como se estivessem jogando a toalha. O etarismo tem afetado cada vez mais a minha geração, especialmente em um país como o Brasil, que está envelhecendo, mas onde o preconceito contra a idade também aumenta. A juventude ainda é muito idealizada por aqui, celebrada como se fosse o único caminho possível para a felicidade e os ‘anos dourados’.
Minha intenção com a biografia foi justamente mostrar que, entre os 50 e os 60, muita coisa ainda pode acontecer, desde que a gente não se encaixe nesse padrão limitante. Nessa última década, fiz quatro turnês mundiais, estou viajando pelo Brasil com cinco espetáculos solos. Ou seja, escolhi me manter em movimento.
A principal mudança dos 50 aos 60 foi deixar de ser tão reativa e me tornar mais contemplativa. Deixei de querer mudar tudo o tempo inteiro e parei de me impor tantas regras e métricas. ei a estar mais feliz comigo mesmo, ajustando minhas necessidades, vontades e liberdades. Finalmente tenho feito o que realmente quero, sem me deixar aprisionar. Esses 10 anos foram um reencontro comigo mesmo, algo que nunca tinha vivido antes. Nunca produzi tanto em tão pouco tempo quanto nessa década.
Você afirmou que está colhendo os frutos de toda uma trajetória de vida. Você imagina que estaria em um lugar tão grande? Acredita que seja possível projetar ou prever os sucessos da vida?
Meu grande propósito de vida sempre foi viver de arte. Acredito que o teatro tem uma linguagem universal e é um espaço onde você pode ser quem é, do seu jeito. Como dizia nosso querido mestre Silvio Santos, o sucesso é 90% transpiração e talvez uns 7% ou 8% de inspiração. Você tem uma ideia, se inspira em algo, mas precisa trabalhar duro para aquilo acontecer.
Acho que meu maior trunfo foi ser verdadeira, honesta com o que penso e fiel às minhas opiniões. Em cada lugar que vou, pelo Brasil ou pelo mundo, as pessoas me dizem que iram minha coragem de falar o que penso, de sustentar aquilo que digo. E eu realmente tenho alegria no que faço. Eu não fico contando os débitos da vida, só os créditos.
Eu disse recentemente, ao final de um programa que fiz, que sempre fui ‘demais’. Quando criança, falava demais, ria demais, era feliz demais, gesticulava demais. Já adulta, no universo LGBT, achei que receberia mais acolhimento, também era vista como ‘demais’, espontânea demais, expressiva demais, que me achava demais. E quer saber? Eu continuo sendo ‘demais’ e feliz por isso.
Sou uma pessoa emocionada com a vida. Pago um preço por isso, mas sustento esse jeito de ser. Falo o que penso. Pode ser que isso me torne previsível, mas pelo menos as pessoas sabem com quem estão lidando. Não levo desaforo pra casa, nunca levei.
O humor, pra mim, é uma ferramenta de sobrevivência. A gente precisa dessa inteligência emocional para transformar os tropeços da vida.
Você disse recentemente que Fafá de Belém e Lilia Cabral são mulheres que te inspiraram. O que para você é ser uma mulher forte? O que te inspira em outras mulheres?
Está faltando gente nessa lista, viu? (risos). As cinco mulheres mais importantes e inspiradoras da minha vida são minha mãe, Rogéria, Elke Maravilha, Fafá de Belém e Lilia Cabral. Desde as minhas primeiras memórias, ainda na infância e adolescência, essas mulheres me marcaram profundamente pelo trabalho, pela força, pela energia e pelo amor ao que fazem. São mulheres guerreiras, que nunca se submeteram a ditaduras de moda, de comportamento ou de discurso. Sempre disseram o que pensavam, com responsabilidade e coragem.
Se você observar bem, todas elas já estavam ligadas à causa LGBTQIAPN+ muito antes disso se tornar pauta popular. Sempre foram solidárias, humanas, afetuosas e firmes. O olhar destemido que elas têm diante da vida me inspira até hoje, não só nos meus projetos, mas na forma como eu ajo e reajo às situações. São mulheres que fizeram do seu ofício a sua arte, bordaram suas trajetórias com beleza e propósito. E bordaram bem.
O palco foi o grande ponto de encontro entre eu e essas musas. Minha mãe, claro, dispensa comentários. Mas Rogéria, Elke, Fafá e Lilia continuam sendo referência e inspiração. São mulheres amazônicas no sentido mais bonito da palavra: donas do próprio galope, da própria voz, do próprio caminho. Maravilhosas e apaixonantes.
Você disse, em uma entrevista, que na sigla LGBT, você seria o “t” de tiranossauro. Você se sente velha, Nany? Como você percebe a agem do tempo, em relação à idade física e maturidade emocional?
Digo que o “t” é de tiranossauro, porque o Brasil é um país que exagera na celebração da juventude. Hoje em dia, você faz 30 anos e já se acha velho. Mas eu nunca entrei nessa. Nunca me vi como uma pessoa velha. Pelo contrário. Acho que essa minha conexão tão forte com gente jovem vem do fato de eu não ter me tornado uma pessoa amarga, pesada, difícil, mesmo agora, perto dos 60.
Nunca fui alguém que complicasse a vida. Sempre fui de viabilizar o ‘sim’. Tem Sempre tive uma relação positiva com o tempo, com a agem do tempo. Não tive crise aos 40, nem aos 50, e não estou tendo aos 60. Ao contrário: estou colhendo o que plantei.
Cheguei em São Paulo com 20 anos, cheia de sonhos, e consegui transformar esses sonhos na minha realidade, na minha profissão de fé. Com o que conquistei, eduquei sobrinhos, ajudei minha família, e ainda ajudo. Tudo com o fruto do meu trabalho, da minha arte. Então, quando brinco que sou um tiranossauro, é porque estou com quase 60, mas sigo cheia de energia.
A forma como a gente lida com o tempo, tanto o físico quanto o emocional, é fundamental. É isso que define como a gente reage às dificuldades. Eu nunca deixei que a opinião dos outros me definisse. As pessoas tendem a nivelar a nossa história por baixo, ninguém vê de verdade a sua luta. Por isso, a gente precisa se celebrar, se valorizar, se amar.
Sobre os amores, o que aprendeu com suas paixões e experiências amorosas?
Ah, o amor… o amor é paixão, né? Não dá pra viver sem. Amar, pra mim, é como respirar, é natural, é necessário. Eu preciso estar envolvida com algo ou alguém: uma pessoa, uma causa, uma emoção. Por mais corrida que esteja a agenda, sempre tem que dar um jeitinho de parar e dar um beijo na boca. Porque, olha, sexo é química, amor é matemática.
Sou romântica, sim, mas também sou prática. Não fico esperando o dia perfeito pra ir ao cinema e dar uns beijos, não. Se rolar, rolou. Falo direto, olho no olho: ‘tudo bem, tudo bom, tamo aqui, vamos nessa.’ Sei o que quero e luto por isso, viu? Luto mesmo.
A maturidade me ensinou a separar bem as coisas: sexo, emoção, química, amor, matemática. Quando dá pra juntar tudo, é maravilhoso. Quando não dá, a gente vai com o que tem. E está tudo bem. Porque, como eu disse antes, casar e ser feliz são coisas bem diferentes. Eu casei uma vez só e entendi que aquilo não era pra mim. Não gosto de abrir mão de mim em função de uma relação. Eu sou fiel ao meu propósito: fazer teatro. Meu casamento é com o palco. O palco é meu grande amante.
Nunca sacrifiquei minha vida emocional, mas nunca deixei de dizer: ‘meu maior compromisso é com o palco’. Isso me tornou um pouco mais solitária no sentido conjugal, porque percebi que morar junto, dividir o dia a dia, não combina com meu estilo de vida. Minha rotina é desordenada: posso dormir meia-noite, acordar às três, pegar um voo, fazer um show e voltar no mesmo dia. Não tem previsibilidade. Então, se a pessoa for muito certinha com horários, já sei que não vai dar certo.
Estou numa relação há nove anos, ele em uma cidade, eu em outra, e seguimos assim. A gente se entende. A gente vai levando. E isso, pra mim, é amor.
Como você istra sua vida financeira? Alguém te ajuda neste sentido? Ainda sobre isso, você se considera pouco ou muito consumista?
Eu aprendi em casa que quem vive sem regra, morre sem honra. Então nunca fui de seguir modismo nem de gastar por impulso. Lembro que, numa entrevista para a SG Magazine, quando eu tinha 33 anos, a repórter me perguntou: ‘Você já tem casa própria?’ Eu disse: ‘Acabei de comprar.’ E ela respondeu algo que nunca esqueci: ‘Muito bem. Dos 30 pode ar, dos 40 não pode faltar.’ Aquilo ficou em mim.
Tenho amigos que escolheram uma vida nômade, de viagens, liberdade, experiências. Mas agora, chegando aos 60, vejo muitos deles ando por dificuldades por não terem um teto seguro onde se abrigar. Então, desde cedo, venho construindo uma vida com responsabilidade econômica. Tenho investido em imóveis, porque eu sei que vai chegar o dia em que essa minha energia, essa ‘ventoinha’ que me move vai diminuir. E quando isso acontecer, quero ter onde me apoiar. Viver de aluguel, se for o caso. Ter estrutura.
Meu irmão mais velho me ajuda muito nisso. E sou prática. Nunca fui consumista. Não ligo para grifes ou tendências. As roupas que uso nos shows são todas feitas artesanalmente, com muito carinho e parceria de longa data. Tenho um costureiro que está comigo há anos, o Fábio Ferreira. Tive também o Seu Suvério por muito tempo. E o Paulo Galânio, meu bordador, faz trabalhos lindíssimos. Tudo feito à mão, com afeto e dedicação.
Só compro aquilo que sei que vai ter utilidade, que vai me servir de verdade. Penso no uso, na função, na intenção. Em casa, a mesma coisa: sou prática. Nada de ostentação.
Como você se imagina com 70 anos? O que está fazendo para que isso aconteça?
Pensando em como será chegar aos 70, eu peço a Deus que me permita chegar lá com essa mesma alegria de viver. Porque, olha, nos 60, a gente já viu muita gente partir. É isso. A vida é frágil. Quando você acorda em um bom dia, sem dor, sem peso, você põe a mão pro lado, olha pro alto e agradece: ‘Senhor Jesus, obrigado por mais um.’
Por isso, procuro cuidar de mim. Faço exames preventivos a cada quatro meses, consulto o endocrinologista, faço check-ups. No ano ado, descobri que estava com pré-diabetes. Segui as orientações médicas, mudei a alimentação, emagreci 15 kg. Hoje, sou fiel à balança. Como com consciência, com honra.
Não fumo, não bebo, nunca usei drogas. E o mais importante: mantenho a cabeça boa. Quero chegar aos 70 com a mente sã, com paz no coração, feliz com o que vivi e com o que ainda vier.
Minha maior meta é nunca perder a alegria de viver. Quero seguir rindo da vida e, principalmente, rindo de mim mesma. Porque é isso que nos salva: saber rir com a gente e da gente. Cultivar esse bom humor interno. Essa é a meta.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (edição 1469, de 16 de maio de 2025). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.